Francisca Clorilde
Patrona da Cadeira nº. 11
Nasceu em São João de Inhamuns, atualmente Tauá, na fazenda São Lourenço, no dia 19 de outubro de outubro de 1862, sendo seus genitores, João Correia Lima e D. Ana Maria Castelo Branco. Sua infância decorreu sem maiores incidentes na paz bucólica do sertão, numa época em que criança não carecia estudar, ainda mais sendo menina.
Por motivo ignorado e sem data precisa, a família muda-se o povoado de Calabôca, serra que viria a ser a cidade de Baturité, onde as famílias abastadas contratavam professores e a menina fez seus primeiros estudos com a professora D. Ursulina Furtado.
Depois do aprendizado primário, foi estudar em Fortaleza no Colégio Imaculada Conceição. Foi aluna da Escola Normal, onde se fazia notar pela sua felicidade em redação, e tão logo terminado o curso, estaria apta para ser professora em um grupo escolar.
Atendendo a vontade do pai, casa-se em 1880, aos 18 anos com Francisco de Assis Barbosa Lima.
Em 1882 submete-se a exames para professora, da Escola Normal, então dirigida e orientada exclusivamente por homens. Fazendo provas brilhantes, com distinção em todas as matérias, foi considerada apta para exercer o magistério, carreira com a qual se sentia fortemente inclinada – fato notável – foi a primeira professora do sexo feminino a lecionar na Escola Normal!
Era Diretor desse educandário, àquela época, o Sr. José de Barcelos, e foi seu examinador o professor Tomaz Antonio Carvalho, que era lente só para o sexo masculino.
Entrou para o magistério no dia 12 de junho de 1882, na Escola Normal, onde lecionou até março de 1895.
Participou ativamente da Sociedade das Senhoras Libertadoras. Ora escrevendo, ora distribuindo panfletos. Saindo vitoriosa a causa da Abolição, ofereceu uma coroa de louros ao Dr. Caio Prado, então presidente da província do Ceará, proferindo a seguinte quadrilha de sua autoria:
Eis o momento sublime
Da liberdade e da glória,
No mundo inteiro ressoam
Os hinos dessa vitória!
Redigiu em 1888, com Duarte Bezerra e Fabrício de Barros, A Evolução, jornal científico e literário. Foi colaboradora do jornal O Domingo surgido no mesmo ano, e O Libertador, onde colaboraram figuras de projeção como Rodolfo Teófilo, Clovis Beviláqua, Juvenal Galeno e outros.
Foi figura proeminente do Clube Literário, do qual fizeram parte: Farias Brito, Justiniano de Serpa, Antonio Bezerra de Menezes, Abel Garcia, Oliveira Paiva, Juvenal Galeno e outros. Em A Quinzena, publicou vários sonetos.
Em 1889 publicou Lições de Aritmética, para a Escola Normal do sexo feminino, com 102 páginas.
Colaborou no Ceará Ilustrado, aparecendo trabalhos seus em meio aos de Álvaro Martins, Sabino Batista, Viana de Carvalho, Juvino Guedes, Rodrigues de Carvalho e outros.
Várias são suas colaborações em Revistas e Jornais fora do estado do Ceará. O Lyrio, de Recife (1902-1904), de Amélia de Freitas, esposa do renomado cearense Clóvis Beviláqua A Família, São Paulo (1881-1883) e Rio de Janeiro, (1883-1897), de Josefina Álvares de Azevedo e A Mensageira (São Paulo – 1897-1900).
Publicou uma Coleção de Contos com prefácio de Tibúrcio de Oliveira, editada pela Tipografia de Cunha Ferro & Cia.
Finalzinho do Século, fugindo de um surto de tuberculose e outras epidemias que invade Fortaleza, muda-se para Baturité. Lá chegando, funda o Externato Santa Clotilde, para meninos e meninas.
Sobre seu romance A Divorciada, 233 p. publicado pela Tipografia Moderna a Vapor, Rua Formosa, 71, Fortaleza – CE, 1902 assim se manifestou o jornal A República, na edição de 2 de abril de 1902:
“Temos sobre a nossa banca de trabalhos esse novo livro da apreciada escritora cearense, demonstração irrecusável de uma insistente e perseverante atividade intelectual.
O talento da autora, promissoriamente demonstrado em outro gênero da literatura, apresenta no ramo que ora escolheu novas e significativas manifestações de um espírito acostumado à observação diária dos fatos, auxiliado por estimáveis faculdades de análise.
Passando do conto ao romance, concepção indiscutivelmente mais vasta e complexa, Francisca Clotilde nos deixa perceber através de sua engenhosa e fértil imaginativa, traços ideativos de uma vocação definida.
Inspirada e retratada pelo nosso meio, a auspiciosa tentativa da inteligência e operosa romancista é um estudo de costumes a que comunica vida a uma das nossas controvertidas questões civis _ o divórcio.
O enredo é tratado com carinho, e vê-se que a autora muito se esforçou por explorar todos os acidentes locais, fazendo vingar a índole da sociedade que serviu de teatro à sua produção”.
O restante da imprensa silencia, condenando o livro ao esquecimento de várias gerações. Inclusive de seus conterrâneos.
Na revista O Lyrio nº 18/19, abril e maio/1904, Recife/PE encontramos, o soneto
A REDEMPÇÃO
A treva esconde a face delicada
Do Salvador exangue sobre a Cruz,
Porque fugia do sol a própria luz
E a natureza treme horrorizada.
Nem um conforto! Só a desvelada
Mãe comprimida ao lenho de Jesus
Sente pungir-lhe n’alma desolada
A dor cruel que a pena não traduz.
Silencio, trevas, magoa, confusão!
Eis terminada a lúgubre Paixão
Consumou-se a tragédia deicida.
Abriu-se o eco, oh! Justos, exultae!
Flori boninas! Aves gorjeiam
Saudando a humanidade redimida!
No dia 28 de outubro de 1906, ainda na cidade de Baturité, Francisca Clotilde juntamente com sua filha Antonieta Clotilde dá inicio a publicação da brilhante revista A Estrela. A revista teve duração ininterrupta até o ano de 1921, quando por forças das circunstâncias e de dificuldades financeiras, deixou de circular. Sobre a revista assim se reporta Maria Stela Barbosa de Araújo (1952):
“De publicação mensal, bem concatenada com material de primeira qualidade, trabalhos selecionados e com farta colaboração, A Estrela brilhou nos céus intelectuais do Ceará, espalhando os seus raios luminosos por todos os Estados do Brasil. Era uma revista que deliciava imensamente o sexo feminino, se bem que tivesse vastos admiradores entre o sexo forte.
Teve ótimos colaboradores, entre tantos,
Leodegária de Jesus e Celso Meira de Vasconcelos, Minas Gerais.
Cordélia Silva, da Paraíba;
Julieta Marinho, do Rio de Janeiro;
Auta de Sousa e Rosália Sandoval, do Rio Grande do Norte;
Dr. Beni Carvalho, Andrade Furtado, Carlyle Martins, Antonio de Castro, do Ceará.
Dr. Eduardo Dias, baiano, radicando em Aracati.
E muitos outros”.
Em fevereiro de 1908, deixa a cidade de Baturité, atendendo convite de pessoas de destaque, passando a morar em Aracati.
Em março do mesmo ano funda o Externato Santa Clotilde, para meninas, posteriormente tornando-se misto, onde na realidade se educou a elite da juventude da terra dos “bons ares”.
A seguir, o depoimento de três ex-alunos sobre a professora D. Francisca Clotilde. Mário Linhares, ex-presidente da Academia Cearense de Letras assim se reporta em Dolor Barreira:
“Conheci-a como professora em Baturité, em minha meninice, aí por 1904. Minha mãe era muito sua amiga, aproximou-nos. Foi ela quem corrigiu os meus primeiros versos e me ensinou os segredos da metrificação. Sua modéstia e a obscura vida de educadora no interior cearense estiolaram-lhe o vigor da inteligência, que não teve a projeção que a faria um dos nomes mais queridos das nossas letras femininas”
Maria Stela Barbosa de Araújo, Membro da Ala Feminina da Casa Juvenal Galeno tendo Francisca Clotilde como Patrona, In Mulheres do Brasil (Pensamento e Ação),
“Jamais esquecerei as suas sábias lições de civismo e a sua bondade inigualável, a sua extrema tolerância e suave meiguice. A sua figura foi e é para mim um símbolo, cuja vida intelectual de fecundidade espantosa, empolgava-me e enchia-me de admiração e respeito, nos velhos tempos do aprendizado primário. Recordo-me de que, ao completar ela o jubileu de ensino, seus alunos, em colaboração com o povo daquela cidade litorânea, festejaram-no de maneira condigna.
Foi de uma abnegação a toda prova no desempenho de seu mister: muito amiga da juventude e, sobretudo, das crianças, das quais sempre se lembrou até os últimos instantes, dizendo quando se sentiu morrer, desejar que ao seu enterro comparecesse avultado número delas, o que efetivamente se verificou, quando placidamente fechou os olhos à vida na madrugada de 8 de dezembro de 1935, na cidade de Aracati, vítima de um colapso cardíaco”
Figueiras Lima, coordenador de trabalhos apresentados à Casa Juvenal Galeno, assim se reporta em PARECER ao trabalho de Stela Araújo, em 29 de outubro de 1952:
“Tão esquecida das atuais gerações, a suavíssima poetisa Francisca Clotilde encontrou afinal uma biografia capaz de levantar o seu nome do pó do olvido e fazê-lo admirado pelas novas correntes literárias do Ceará.
Nós que a conhecemos na nossa adolescência, quando tivemos de residir por algum tempo na amorável cidade Jaguaribana, a que ela dedicou o melhor de sua fina inteligência e do seu imensurável coração, podemos dizer que nestas páginas evocativas encontramos Francisca Clotilde.
A mestra infatigável, com assento montessoriano em suas atividades educacionais, a poetisa de alma sempre aberta para a harmonia do cosmos e os ritmos da vida; a mulher superior que, colocada embora acima do meio em que viveu, soube amá-lo com enternecido afeto, a doce e santa velhinha que um povo inteiro ouvia, seguia e amava. Nós a vimos agora e de novo, após tantos anos de distância da época em que tivemos a alegria de conhecê-la!
Quando da campanha rabelista, Francisca Clotilde escreveu artigos brilhantes e candentes em torno da candidatura do seu preferido. Artigos esses publicados na Folha do Comércio e depois enfeixados em coletânea, numa brochura, editada pela Tipografia Comercial de Aracati.
Para Stela Araújo, Francisca Clotilde “Nunca hesitou em colocar a pena a serviço das grandes causas do Brasil e particularmente, do Ceará, sem se importar com as restrições que lhe pudessem advir da parte dos poderosos do dia”.
A Mulher na Política
“Hoje, que o movimento progressista da humanidade se tem desenvolvido de modo extraordinário e animador, não é de estranhar que a mulher, deixando-se arrastar na onda de entusiasmo, fique ao lado do homem na luta pelas boas causas.
Desde os tempos mais remotos, vemo-la desempenhar um importante papel, apesar de ser considerada frágil e inconsciente pelos espíritos pessimistas.
A história bíblica fala-nos de Débora doutrinada o povo à sombra das palmeiras e dando-lhes planos de batalha para repelir o inimigo; mostra nos a linda viúva de Betúlia que, inspirada por Deus, penetrou no campo dos Assírios e conseguiu degolar o general Holofernes, trazendo-lhe a cabeça como um troféu aos seus concidadãos que proclamaram a glória de Jerusalém, a alegria de Israel”.
(...)
O nome de Joana D’Arc é venerado por todos e a Igreja a colocou entre os bem aventurado porque o seu patriotismo irradiava os reflexos da virtude mais sólida, de pureza mais angelical.
(...)
Em que pese aos obscuristas, o tempo do fuso e da roca já desapareceu na voragem do passado e hoje a mulher, se não tem o direito de se apresentar nos comícios eleitorais, porque a lei não lho quis ainda conferir, tem o direito sagrado de acompanhar o homem, máximo quando ele se bate pela pátria em seus dias nefastos e trabalha pela liberdade e pelo progresso.
Por que estranhar que se tenha se criado a Liga Feminina em prol de uma candidatura que é a esperança de um Estado oprimido e digno de melhor sorte?
Por que censurar as manifestações a que as próprias crianças se associam com o sorriso nos lábios e a inocência lhes irradiando na fronte?
Falem contra a mulher cearense; eu aplaudo-a porque confio que a sua presença nestas festas populares é um prenúncio de triunfo para a boa causa e concito-a reanimar o valor de seus filhos e a ensinar-lhes que, acima dos governos mal inspirados, está a imagem da Pátria pedindo amor e sacrifício, impondo-se à nossa veneração, pairando serena e controlada como o céu que se desdobra sobre nossas cabeças lembrando-nos que Deus para reunir a humanidade teve também o concurso sublime de uma mulher que ele colocou à sua destra, acima de todas as criaturas, no fastígio da glória e da imortalidade.
Os Direitos do Povo
“Sabedoria popular! Bonitas palavras inteiramente de vazias de sentido no apregoado regime das Repúblicas!
Temos o exemplo frisante do que se passa entre nós, neste triste espetáculo que o Brasil apresenta perante as nações cultas da terra. Para que serve o direito do voto? Qual é o fim dos comícios eleitorais?
No entanto, qual é o resultado dessa atividade sagrada e respeitável? Os partidos impõem o reconhecimento de seus adeptos e, embora tenham eles tidos a minoria e seja isso um fato claríssimo e indiscutível, saem vitoriosos e vão às câmaras alardear o seu prestígio e apresentam projetos que fazem envergonhar os que dentre eles são mais escrupulosos e menos indignos.
É isto que chamam República? Pobre Povo!
O teu direito é conspurcado a todo instante, só tens que suportar o vexame do imposto, o jogo dos mandões, a prepotência dos chefes que colocam os seus interesses acima de tudo.
(...)
Tudo se encaminha numa corrente fatal para o desprestígio de uma Nação que devia espirar os mais elevados ideais.
Que ressoe pela imprensa o grito que nos vem do íntimo verberando os desmandos e injustiças com que se celebram os timoneiros do nau governamental.
Será vencido o povo?
Continuará a ser vítima do partidarismo egoísta dos maus cidadãos, ameaçado pelas baionetas e pelos canhões?
Deus proteja o Ceará, que atravessa uma fase difícil, e livre os meus patrícios de lutas fratricidas fazendo-os gozar as delícias de um governo digno e justo”.
Dessa mesma época e dentro do mesmo contexto encontramos o soneto datado de 1912,
AVE CEARÁ:
Ave, Terra da Luz, Ó pátria estremecida,
Como exulta minha alma a proclamar-te a glória,
Teu nome refugastes inscreve-se na história,
És bela, sem rival, no mundo, engrandecida!
A dor te acrisolou a força enaltecida,
Conquistaste a lutar as palmas da vitória
Hoje és livre e de heróis a fúlgida memória
Jamais se apagará e a fama enobrecida.
O Sol abrasa e doura os teus mares que anseiam
Em vagas que se irisam, que também se alteiam
A beijar com ardor teus alvos areais.
Eia! Terra querida, sempre avante!
Deus te guie no futuro em ramagem brilhante
Nas delícias do bem, nos júbilos da paz!
Datado de 23 de agosto de 1925, precisamente 10 anos antes de sua morte, num canto de saudade, temos:
CASA DESERTA
Esta casa que vês desmoronada,
Solitária e deserta no caminho
Foi outrora de noivos castro ninho,
De ilusões e de risos povoada.
E hoje, como fúnebre morada,
Já não conserva o traço de um carinho,
Nem se ouve o cantar do passarinho
Em seu muro, ao romper da madrugada.
Assim meu coração...dantes repleto
De ilusões e de cândidos amores
É hoje como um túmulo deserto...
E o vergel, onde outrora lindas cores
Das rosas de um porvir risonho e certo
Brilharam, tem espinho em vez de flores.
Além de professora, cronista, poetisa, romancista, Francisca Clotilde escreveu peças teatrais, portanto também teatróloga.
O historiador Antero Pereira em palestra “O Teatro no Aracati Antigo”, realizada no dia 25 de agosto de 2004, destaca que “Nas décadas de 1910 e 1920, tivemos nossa Francisca Clotilde como incentivadora do nosso teatro, que escreveu e promoveu a encenação de várias peças teatrais, tais como:
· Fabíola Drama em 3 atos , 1902;
· Santa Coltilde Drama; s.d.
· Devaneio, monólogo, 1908;
· A filha de Herodes; Drama Histórico; s.d.
· As flores do Natal. Drama em 2 atos, 1909;
· Pérolas do bosque. Drama em 3 atos, 1919;
· A crise. Comédia em 1 ato. 1919;
· Visitas importunas. Comédia em 1 ato. 1921;
· A toutinegra do moinho. Drama em 3 atos, extraído do romance homônio, de Emile Richebourg, 1921;
· Azar do hotel. Comédia em 1 ato. 1921.
Tendo iniciado o magistério aos 12 de junho de 1882, exerceu-o até os últimos dias de sua vida, pois a 30 de novembro de 1935 deu, pela derradeira vez as férias ao Externado Santa Clotilde, falecendo 8 dias após, aos 73 anos, passando mais de 53 anos de profícuo e afanoso lutar em prol da educação cearense (Fortaleza, Baturité e Aracati). Desse tempo 27 anos na cidade de Aracati, onde estão os seus restos mortais.
Mercê do seu talento, teve o grito dos excluídos (negros, mulheres, anciãos e órfãos carentes), como expressão estética de sua obra. Francisca Clotilde foi uma mulher de vanguarda, uma mulher de denúncia; escreveu sobre questões sociais, colocando em debate o mundo das pessoas, dos homens e das mulheres. Atravessou anos e confirma, centenária, a vocação de ser imorredoura.
É nome de rua em Fortaleza. É nome de grupo teatral em Aracati. É patrona na ala feminina na Casa Juvenal Galeno.
É uma honra tê-la como Patrona da cadeira na qual tenho assento nesta Academia.
Muito obrigada!
Tauá-CE, 10 de Setembro de 2005
Anamélia Custódio Mota
Av. Cel. Lourenço Feitosa, 26
63660-000 – Tauá-CE
(85) 8813-0716