O JANGADEIRO
Indômita coragem brilhava no olhar do rude jangadeiro que, postado junto à praia, ouvia o marulhar das ondas, contemplando o horisonte q’se estendia limpido, apresentando naquella tarde o azul esmaecido dos dias hyemaes.A jangadinha veleira balouçava-se nas vagas parecendo adornar à carícia forte do oceano e mais longe o navio aguardava os passageiros que demandavam as plagas do Sul.Uma leva de escravos, escoltada pelo sinistro mercador de carne humana, aproximava-se tristemente.Braços unidos, corações despedaçados, os miseros envolviam um ultimo olhar para as areias alvejantes da terra da patria que iam deixar para sempre. Lágrimas profusas brilhavam naqueles rostos onde a fatalidade estampara desde o berço o ferrete da maldição de Cham.O que os esperava nas paragens do Sul? O engenho, o trabalho forçado, a tarimba, a minguada ração, o azorrague do feitor cruel, o opróbrio, a miséria enfim!Ali a escravidão ainda era mais negra!...E se aproximavam os míseros da praia, enquanto o marulho das ondas quebrava a monotonia da tarde que passava.O filho do mar compreendeu a extensão daquela dor que extravasava em prantos; olhou a casaria branca de Fortaleza sombreada de coqueiros, iluminada pelos revérberos do sol triunfante que afugentara as nevoas hybernaes. Um grande sentimento de compaixão ergue-se-lhe no intimo; a revolta da consciência sobrepujou ao dever de jangadeiro.Sugestionou aos companheiros a greve mais honrosa que se tem registrado na historia da humanidade e o brado vibrante que imortalizou o seu nome suplantou os protestos do negociante negreiro que não queria ser estorvado no seu comercio vantajoso.Como um clarim apregoando as harmonias da liberdade saiu dos lábios do “Dragão do Mar” o grito humanitário e potente: “Neste porto não se embarca mais um só escravo!”
F. Clotilde. Folha do Commercio. Aracati, 26/03/1911.
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