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quarta-feira, 13 de junho de 2007

ENTREVISTA ADELAIDE GONÇALVES



Entrevistas Adelaide Gonçalves - As lutas sociais produziram suas formas próprias de comunicação e engendraram formas de combate à cultura hegemônica
Por Bruno Zornitta
Adelaide Gonçalves, é militante da esquerda social, historiadora, com interesses de pesquisa e trabalhos publicados na área de História Social, em conexão com História Social das Idéias. Participou do painel "Cultura a serviço de um projeto de sociedade", no 12º Curso Anual do NPC. É professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Aos jornalistas que se empenham em construir uma outra comunicação, voltada para os trabalhadores, Adelaide propõe: “Vamos estudar mais, ler mais o mundo à nossa volta. Vamos aprender fazendo a luta social. Vamos ajudar a recuperar o melhor do vocabulário dos precursores socialistas libertários: solidariedade, apoio mútuo. E, como estamos próximos do 8 de março, nos inspiremos na escrita afiada, na memória de nossas Louise Michel, Mary Wolstonecraft, Flora Tristan, Rosa Luxemburgo, Emma Goldmann e no exemplo das mulheres da Via Campesina que arrancaram as mudas da morte para semear a vida. [12.02.2007]

BoletimNPC- Quando se diz que alguém é "culto", para o senso comum, há uma referência à cultura dominante. No entanto, existe uma outra cultura, a cultura popular. Qual a importância desta cultura para a transformação social?
Adelaide Gonçalves - Há um rico e vasto repositório de registros da cultura das classes trabalhadoras desde o seu momento de formação. As pesquisas e estudos históricos que vêm se debruçando sobre este campo comprovam esta afirmação. As lutas sociais, de modo geral, produziram suas formas próprias de comunicação e engendraram formas de combate à cultura hegemônica. Para tomar o caso do Brasil, basta que se atente para o rico capítulo da imprensa dos trabalhadores; nascida em meio às transformações que experimentava o século XIX, capitaneadas pela intensa difusão de “idéias novas”, e por aperfeiçoamentos técnicos que encurtavam de forma vertiginosa as distâncias entre as pessoas, a imprensa dos trabalhadores é uma das mais notáveis expressões da vida dos homens e mulheres que tiveram o seu dia-a-dia marcado pelas vicissitudes do mundo do trabalho. Cumpre destacar nesta imprensa suas dimensões de formação, mobilização, educação e combate. No jornal operário, em perspectiva histórica e apropriado em sua dimensão de documento-fonte-memória – é possível recuperar um largo painel do mundo dos trabalhadores e de sua cultura.
É de se notar que as práticas do associativismo estiveram desde logo combinadas aos mecanismos de auto-esclarecimento: escolas, ateneus, conferências, teatro social, formação de bibliotecas populares, cinema, hinos, estandartes, poesia social, salas de leitura, traduções, bandas de música, - um vasto índice da resistência criativa e da experiência da classe construindo uma contracultura da resistência, da criação cultural como exercício da crítica anticapitalista.
Pouco a pouco, o mosaico das pesquisas vai compondo um largo inventário dessas práticas sociais , inclusive para além dos locais de trabalho, pois é certo que outros espaços de convívio e troca de idéias vão se fazendo. Sinais desta construção no campo da cultura estão presentes nas livrarias, sebos e tertúlias literárias, na aula noturna, na conversa nos cafés, nas discussões em volta da mesa do botequim, nos balcões das bodegas e mercearias, na ida ao mercado e às feiras, na conversa trocada, atrás do balcão, com um ou outro caixeiro mais letrado, nas quermesses. São lugares/momentos, em que a camaradagem vai sendo forjada nos bancos de praça, em volta do coreto, no passeio público, na ida dominical à missa e na visita aos parentes, quando se atualizam as conversas. Na procissão no dia do santo da devoção, nos comícios, nos meetings, nas demonstrações do primeiro de maio, nos festivais operários, na ida ao cinema, nas representações dos grupos amadores de teatro, na formação dos times de futebol. Enfim, são lugares/momentos, repito, de socialização, congraçamento, construção de identidades, afirmação de diferenças e, eventualmente, de (in)formação sobre o mundo que existe além do que a vista alcança.
BoletimNPC- E a cultura de massa, você acredita que ela serve hoje como instrumento de dominação? Seria correto afirmar que o Brasil é um país ocupado culturalmente, que existe um imperialismo cultural?
Adelaide - Basta que se analise em perspectiva de longa duração a história trágica da dominação européia desde o século XVI neste vasto continente. Bem vistas as coisas, terá sido a imposição, a rapina, a destruição, o roubo, o desmanche, o transplante de signos culturais .... Mais avança o capitalismo em suas formas de mundialização, mais se aprofundam seus mecanismos de dominação, mais sofisticada e diversa sua operação de moldar corações e mentes. É preciso situar com propriedade esta longa história da dominação, para que não se olvide a construção da história “desde abaixo” , para usar a certeira expressão de Edward Thompson; os conflitos, os embates, as resistências criativas, as lutas dos que se opõem ao reino da sujeição conformista. É preciso voltar sempre mais aos estudos seminais do pensamento critico, para compreender a natureza e o grau da dominação imperialista em nosso tempo, inclusive no campo dos valores, da arte, da cultura.
Trata-se também de observar as contradições e tensões fundamentais no sistema dominante, em acúmulo e progressiva visibilidade. É de fácil constatação o crescimento da miséria absoluta da maioria da população mundial, em aberto contraste com a riqueza ostensiva e predatória de uma minoria; a crescente marginalização de jovens, desempregados e velhos nos países do centro capitalista, enfim um quadro amplo a demonstrar a impossibilidade de soluções no marco da ordem do capital.
BoletimNPC- Como você avalia o papel da grande mídia na formação cultural dos brasileiros?
Adelaide - Não creio que a chamada grande mídia, por sua natureza, tenha compromissos ou um programa neste sentido. Basta que se veja a grade das TVs comerciais, a cobertura jornalística. Afinal qual é o lugar do teatro, das artes, da literatura, da crítica literária, da música, na “grande mídia”? E isto para não falar dos limites do mercado editorial, da história do livro no Brasil, da literatura inacessível às camadas populares, da ausência de programas públicos de acesso ao livro e do gosto pela leitura, como imprescindíveis bens do espírito.
Isto incide na agregação de outro aporte de interesse em nossa reflexão: o descenso da coesão e intervenção social dos trabalhadores, com a perda das identidades construídas desde o século XIX. A sociedade de consumo, as tecnologias de massificação, são algumas das razões fundamentais para compreender os contornos desta realidade onde o espaço de construção coletiva cede lugar à realidade midiática. Se nas realidades das primeiras décadas do século XX, anarquistas, socialistas e comunistas conseguiram se apropriar da tecnologia da imprensa e a partir dela, no caso dos anarquistas, construíram uma rica experiência no campo da cultura operária e libertária, igual processo não se deu relativo ao rádio, à televisão, ao vídeo e agora em relação à informática. Estes últimos, usados largamente no jogo de manipulação, de padronização e anexação ideológica e cultural, de destruição das diferenças, das diversidades. Essa estratégia tem ainda outro efeito diminuidor da densidade das lutas sociais: a fragmentação dos espaços coletivos cotidianos das classes dominadas, posto que as induções tecnológicas retiram-nos do espaço da rua, da vivência coletiva, para a redução da vida no espaço individual e privado. Adite-se a isto problema de proporções ainda mais graves: a ausência de uma esfera pública democrática, campo de expressão plural e possibilidade de experimentação da criação, do desejo.
A reconstrução desses espaços de sociabilidade, de comunicação e de cultura dos “de baixo”, a reocupação dos espaços públicos, é possivelmente o maior desafio posto a um projeto transformador em nossa sociedade.
BoletimNPC- Em sua palestra no 12º Curso Anual do NPC, você afirmou que "precisamos, em nossa militância, recuperar o primado da política". Como fazer isso diante da atual conjuntura de individualismo e despolitização?
Adelaide - Entendo que é possível e necessário recuperar desde a tradição socialista a recriação política. Nesse sentido, o desafio que é posto ao nosso tempo, numa América Latina em processo de rebelião é afastar o ecletismo teórico e a corrosão do discurso midiático, do eleitoralismo, para encontrar o legado do espírito revolucionário do socialismo. Neste passo, é preciso aprender a ler o sentido mais profundo das lutas animadas, durante quase dois séculos, pelos militantes anarquistas, libertários, ecologistas, feministas, comunistas, mundo afora. As idéias retoras que devemos abraçar, obrigam-nos, para permanecermos à altura do desafio que é posto, a refletir sobre o primado da política. Entendam: não da pequena política eleitoreira, dos jogos medíocres da realpolitik, das pequenas e corrosivas disputas por espaços nos aparelhos de poder. Referimo-nos àquele sentido da Grécia clássica, aristotélico, da política como o cerne da natureza dos homens e mulheres que trabalham, vivem, amam e sonham. Ou, por outra, no sentido renascentista de política como ato de construção da nova sociedade republicana e - completaríamos nós - socialista e democrática. Como fazê-lo? Dito de outro modo: como materializar, aqui e agora, com a urgência do tempo e sob o olhar esperançoso dos que acreditam na ousadia, no marco do capitalismo, o primado da política? Um projeto desta magnitude e natureza é, desde sempre, uma construção. Construção coletiva, mas coletiva não no sentido da retórica vazia que um certo discurso de esquerda proclama, mas não pratica. Construção coletiva autêntica, no sentido de ter a audácia e a beleza de animar, seduzir, mobilizar estruturas de sensibilidades e razões de pertencimento dos muitos desvalidos, humilhados, ofendidos e silenciados. Seduzir pela palavra, pelo gesto, pela ação de reconhecimento do outro, para a luta cotidiana de transformação, para “tornar possível o impossível”.
BoletimNPC- Que recado você deixaria para os jornalistas que se empenham em construir uma outra comunicação, voltada para os trabalhadores?
Adelaide - Vamos estudar mais, ler mais o mundo à nossa volta. Vamos aprender fazendo a luta social. Vamos ajudar a recuperar o melhor do vocabulário dos precursores socialistas libertários: solidariedade, apoio mútuo. E, como estamos próximos do 8 de março, nos inspiremos na escrita afiada, na memória de nossas Louise Michel, Mary Wolstonecraft, Flora Tristan, Rosa Luxemburgo, Emma Goldmann e no exemplo das mulheres da Via Campesina que arrancaram as mudas da morte para semear a vida.

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